Medicamentos glutamatĂ©rgicos para o tratamento das dependĂȘncias de drogas e outras dependĂȘncias comportamentais
segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Historicamente, o tratamento farmacológico dos transtornos aditivos tem utilizado métodos baseados na substituição (por exemplo, a reposição de nicotina e manutenção de opioides) ou é direcionado para sistemas de neurotransmissão opioide endógena ou monoaminérgica. Entretanto, evidências têm sido acumuladas indicando que substâncias que influenciam a transmissão glutamatérgica podem ter uma utilidade potencial no tratamento da drogadição, assim como nas patologias comportamentais que apresentam características de adição, como o jogo patológico. Diversas substâncias já existentes possuem ações na transmissão glutamatérgica que têm sido estudadas para o tratamento de fases variadas das dependências.

O acamprosato já está aprovado para o tratamento do alcoolismo nos Estados Unidos e, apesar do seu mecanismo de ação ainda não ser muito claro, existem evidências sugerindo que ele modula a atividade dos receptores N-metil D-Aspartato (NMDA) e restaura o equilíbrio entre a neurotransmissão excitatória e inibitória que está alterada no consumo de álcool. Diversos estudos clínicos mostraram eficácia pequena a moderada do acamprosato para diminuir o consumo de álcool, a fissura e para manter a abstinência, porém grandes estudos recentes não observaram sua vantagem sobre placebo, o que poderia ser creditado a uma possível maior eficácia da introdução do acamprosato em fases de abstinência, em vez de iniciado durante fases com consumo ativo. A necessidade de usar três doses por dia poderia prejudicar a adesão ao tratamento.

A N-acetil-cisteína (NAC) é uma pró-droga, que é metabolizada nos tecidos para o aminoácido cisteína, que, por sua vez, é transformada em cistina, a qual induz a produção de glutationa e ativa a bomba de troca cistina-glutamato. Esse é o mecanismo que justifica a produção de muco e a proteção na intoxicação por acetaminofen. O efeito final da NAC no sistema de neurotransmissão do glutamato é o aumento dos níveis extracelulares deste último, que se encontra diminuído na abstinência da cocaína, e poderia diminuir o poder da cocaína de, posteriormente, aumentar esses níveis, eventualmente diminuindo essa ação numa recaída. Estudos recentes mostraram alguma eficácia em diminuir a fissura induzida pela imagem do uso de cocaína, e estudos preliminares mostraram resultados favoráveis na abstinência de nicotina e Cannabis.

O D-cicloserina é um derivado do aminoácido serina, que se liga a um dos sítios do receptor NMDA, aumentando a atividade deste receptor sem causar neurotoxicidade, e estaria relacionado à facilitação de certas formas de aprendizado, como o condicionado e o da extinção de respostas de medo. Estudos clínicos mostram resultados promissores preliminares na facilitação da extinção do comportamento de fumar, mas apresentou resultados de aumento de fissura por cocaína, talvez por ajudar a consolidar a memória associada ao seu uso. Portanto, mais estudos são necessários para definir o papel da d-cicloserina no tratamento das dependências.

A gabapentina é um anticonvulsivante gabaérgico que inibe a transmissão neuronal através da inibição de canais de sódio e cáclio voltagem-dependentes. Como resultado, a gabapentina inibe a liberação de diversos neurotransmissores, especificamente de glutamato. Esse efeito poderia explicar sua capacidade de aliviar os sintomas somáticos da abstinência de álcool, inclusive a insônia, e estudos recentes mostraram que tem algum potencial de diminuir a fissura e o uso de álcool. Outro estudo mostrou diminuição do uso de cocaína. Já estudos avaliando o uso da gabapentina em dependentes de nicotina, metanfetamina e opiáceos não mostraram benefícios.

A lamotrigina tem efeito similar à gabapentina nos canais de sódio e cálcio voltagem-dependentes, inibindo a liberação de neurotransmissores, como o glutamato. Estudos mostram alguma eficácia no tratamento da abstinência de álcool e na diminuição da fissura pela cocaína, álcool e inalantes. O efeito da cocaína em quem está sendo tratado com lamotrigina aparentemente fica inalterado.

A memantina é um antagonista não competitivo do receptor NMDA e é usada principalmente para o tratamento do declínio cognitivo na doença de Alzheimer, além de bloquear receptores de serotonina tipo 3 (5HT3) e receptores nicotínicos de acetilcolina. A memantina possui evidências de diminuir a abstinência de álcool e opiáceos, além de talvez atenuar a fissura e o uso de álcool, apesar de também existirem estudos negativos a esse respeito. Ademais, existem relatos de que a memantina diminui os efeitos do fumo e da heroína, apesar de haver relatos de que aumenta os efeitos da cocaína, particularmente em altas doses. Um estudo mostrou diminuição do comportamento de jogo patológico.

O modafinil é um estimulante do sistema nervoso central que não aumenta a liberação de monoaminas. Seu efeito aparentemente pode estar associado à estimulação de receptores alfa-adrenérgicos, bloqueio de liberação de g-aminobutirato (Gaba), um leve bloqueio da proteína transportadora de dopamina ou à estimulação dos neurônios hipotalâmicos que contêm orexina. O modafinil também aumenta níveis extracelulares de glutamato em algumas regiões cerebrais, como o estriado dorsal, o hipocampo e o diencéfalo, sem afetar a síntese de glutamato. Vários relatos clínicos mostraram potencial para tratar a dependência de cocaína, tanto na diminuição do efeito euforizante e do uso diário, como no aumento de tempo de abstinência. Também há relato de diminuição de comportamento de jogo compulsivo. Estudos no tratamento do fumo indicaram até piora da abstinência e de outros sintomas de afeto negativo com o uso de modafinil.

O topiramato é um anticonvulsivante com as mesmas propriedades da lamotrigina e gabapentina na ação inibitória dos canais de sódio e cálcio voltagem-dependentes. Também possui efeito bloqueador em receptores glutamatérgicos de ácido α-amino-3-hydroxi-5-metil-4-isoxazolpropiônico (Ampa), que estaria fortemente relacionado com alterações neuroadaptativas provocadas pelas drogas de abuso, além de mediar comportamentos de autoadministração e recaída. O topiramato diminui os efeitos da abstinência de álcool e também de benzodiazepínicos, além de diminuir os efeitos subjetivos do álcool, sua fissura e o consumo pesado do mesmo. Evidências menos contundentes mostraram utilidade em pacientes dependentes de cocaína e MDMA ("ecstasy"). Em relação ao fumo, o topiramato pode diminuir o comportamento de fumar, principalmente em homens, porém um outro estudo teve resultados negativos. Em termos de comportamentos aditivos, o topiramato parece diminuir os comportamentos de jogo patológico, comer compulsivamente e sexual compulsivo.

As evidências recentes mostram inequivocamente que a ação no sistema glutamatérgico pode influenciar de forma complexa os comportamentos aditivos associados a drogas e outros problemas relacionados, porém nas diferentes respostas obtidas em fases diferentes, como abstinência, uso corrente e aparecimento de fissura, os estudos precisam ser mais bem detalhados, para melhor compreensão do papel do complexo sistema de neurotransmissão nestas patologias.